3 de julho de 2009

palavras

Ganhei um presente há alguns dias: uma folha de papel. Simples, branca e com palavras impressas. Ouvi enquanto pegava o papel: "pra te dar um gostinho".
Comecei a ler...

Ítaca

Se partires um dia rumo a Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrará
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.

Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda a espécie,
quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.

Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.

Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.



Não foi um simples gostinho. Foi um daqueles momentos em que algo novo acontece, como o primeiro poema do Borges ou do Mario Quintana. Eu queria mais. Eis que um dia depois, com o livro "Poemas" em mãos, mais um arrepio:

Muros

Sem cuidado nenhum, sem respeito nem pesar,
ergueram à minha volta altos muros de pedra.
E agora aqui estou, em desespero, sem pensar
noutra coisa: o infortúnio a mente me depreda.


E eu que tinha tanta coisa por fazer lá fora!
Quando os ergueram, mal notei os muros, esses.
Não ouvi voz de pedreiro, um ruído que fora.
Isolaram-me do mundo sem que eu percebesse.


Isso, queridos, é Konstantinos Kafavis.

2 de julho de 2009

ensina-me

Cinco dias.
Geralmente é esse o tempo que levo digerindo o que me toca. Lembro, relembro, vasculho os menores detalhes, até que tudo se encaixe e eu consiga ver o a transformação que isso sofreu dentro de mim.
Há cinco dias fui ao teatro assistir a peça "Ensina-me a viver" baseada no filme Harold and Maude.
Fecho os olhos e vejo o jeitinho meio maluco de Maude, o desjeito de Harold e aquela música linda... Glória Menezes É sim a rainha das atrizes brasileiras (apesar do meu preconceito com atores de novela) . E Arlindo Lopes foi uma surpresa agradabilíssima com suas traquinagens em busca da simulação de suicídio mais real enquanto descobria a poesia da vida.
Maude tem 80 anos, ama a vida mas acha que já viveu o que basta e frequenta funerais de desconhecidos pra ver que o ciclo tem fim. Harold é um menino de 20 que ainda nem começou a viver mas acha que a morte é o que o faz vivo. Em um desses funerais eles se encontram. Ver o surgimento desse amor é como assistir um nascimento, com todas as possibilidades que o futuro dá.
Faz realmente pensar sobre o ciclo. Dá vontade de amar, de viver e, por que não, de acabar. A visão que Maude tem da vida parece um sonho, nos faz querer entrar e viver em um mundo onde cada segundo é um mágico com surpresas na cartola.
É o teatro em sua verdadeira essência. Um espetáculo tão lindo quanto o que podemos fazer de nossas vidas.

No fim, Harold diz que a ama e Maude responde: "Isso é maravilhoso! Vá e ame mais!"
Vou pegar emprestado seu conselho.