3 de agosto de 2009

revolutionary road



O começo é comum: garoto olha garota, que retribui com interesse e acende a chaminha. O resto é um velho conhecido de todos: a paixão, os planos, a sensação de uma vida especial e a realização de todos os sonhos - na hora nem se desconfia que não existe predestinação, ser jovem e cheio de promessas não garante uma vida com sentido e que sonhos nem sempre se realizam.
E é justamente essa queda do cavalo que vemos em "Foi apenas um sonho". Dificilmente alguém não se indentifica com pelo menos alguma cena do filme. Não adianta, o ser humano será eternamente insatisfeito.
Quando um casal jovem e cheio de planos se vê de repente em uma vidinha ao melhor estilo "american dream" dos anos 50 com suas esposas perfeitas e casas de bonecas, bate o vazio. Onde foram parar aqueles sonhos, a certeza de um futuro cheio de alegria e surpresas? Se perderam na temida e inevitável mediocridade da rotina? Ou quem sabe realmente só existem na cabeça de jovens tolos?
O desespero silencioso de April berra por alguma emoção, alguma sensação. Frank se conforma com uma vida que sempre repudiou mas da qual não conseguiu escapar. Segundo a própria April, casaram, ela engravidou, se mudaram para o subúrbio e tiveram outro filho pra provar que o primeiro não foi um erro. Mas seria possível fugir disso? Ela pensa que em Paris eles conseguiriam encontrar o sentido, lá os sonhos poderiam se realizar. Todos pensamos assim em algum momento e todos acabamos descobrindo que não escapamos de nós mesmos, nos perseguimos onde formos.
É preciso que um neurótico escancare para o casal a crueza da realidade. Cada fala é um soco no estômago. A verdade choca.
Talvez por isso achei um filme tão angustiante, são verdades demais. Não sei se somos preparados pra elas.

2 de agosto de 2009

passo

Nada como um retiro emocional para colocar as idéias em ordem e digerir os novos sentimentos. Especialmente quando esses sentimentos mudam drasticamente o rumo da vida.
Em pouquíssimo tempo passei de uma pessoa "sem rumo" para uma mulher com uma perspectiva de realização que eu não imaginava para mim tão cedo.

Agora que tudo está calmo como nunca esteve, eu paro, olho para um passado muito recente e vejo o quanto as situações são capazes de nos absorver ao ponto de perdermos o norte. E o pior: nos acostumamos com isso. O ser humano se acostuma com tudo e se resigna com uma situação minimamente confortável.
Quando se abre os olhos e se sente as amarras (principalmente quando se tem claustrofobia emocional) é preciso força pra se soltar e abandonar aquela zona de conforto.
Acho que consegui. Arrisquei, joguei muito alto. E o retorno tem sido muito maior do que um dia esperei: segurança e paz de espírito - não sei como conseguia viver sem isso.

Sei que coisas muito boas estão logo ali na frente me esperando. Mas não vou correr, finalmente achei meu ritmo.

3 de julho de 2009

palavras

Ganhei um presente há alguns dias: uma folha de papel. Simples, branca e com palavras impressas. Ouvi enquanto pegava o papel: "pra te dar um gostinho".
Comecei a ler...

Ítaca

Se partires um dia rumo a Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrará
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.

Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda a espécie,
quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.

Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.

Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.



Não foi um simples gostinho. Foi um daqueles momentos em que algo novo acontece, como o primeiro poema do Borges ou do Mario Quintana. Eu queria mais. Eis que um dia depois, com o livro "Poemas" em mãos, mais um arrepio:

Muros

Sem cuidado nenhum, sem respeito nem pesar,
ergueram à minha volta altos muros de pedra.
E agora aqui estou, em desespero, sem pensar
noutra coisa: o infortúnio a mente me depreda.


E eu que tinha tanta coisa por fazer lá fora!
Quando os ergueram, mal notei os muros, esses.
Não ouvi voz de pedreiro, um ruído que fora.
Isolaram-me do mundo sem que eu percebesse.


Isso, queridos, é Konstantinos Kafavis.

2 de julho de 2009

ensina-me

Cinco dias.
Geralmente é esse o tempo que levo digerindo o que me toca. Lembro, relembro, vasculho os menores detalhes, até que tudo se encaixe e eu consiga ver o a transformação que isso sofreu dentro de mim.
Há cinco dias fui ao teatro assistir a peça "Ensina-me a viver" baseada no filme Harold and Maude.
Fecho os olhos e vejo o jeitinho meio maluco de Maude, o desjeito de Harold e aquela música linda... Glória Menezes É sim a rainha das atrizes brasileiras (apesar do meu preconceito com atores de novela) . E Arlindo Lopes foi uma surpresa agradabilíssima com suas traquinagens em busca da simulação de suicídio mais real enquanto descobria a poesia da vida.
Maude tem 80 anos, ama a vida mas acha que já viveu o que basta e frequenta funerais de desconhecidos pra ver que o ciclo tem fim. Harold é um menino de 20 que ainda nem começou a viver mas acha que a morte é o que o faz vivo. Em um desses funerais eles se encontram. Ver o surgimento desse amor é como assistir um nascimento, com todas as possibilidades que o futuro dá.
Faz realmente pensar sobre o ciclo. Dá vontade de amar, de viver e, por que não, de acabar. A visão que Maude tem da vida parece um sonho, nos faz querer entrar e viver em um mundo onde cada segundo é um mágico com surpresas na cartola.
É o teatro em sua verdadeira essência. Um espetáculo tão lindo quanto o que podemos fazer de nossas vidas.

No fim, Harold diz que a ama e Maude responde: "Isso é maravilhoso! Vá e ame mais!"
Vou pegar emprestado seu conselho.

22 de junho de 2009

despedida

Entre mi amor y yo han de levantarse
trescientas noches como trescientas paredes
y el mar será una magia entre nosotros.

No havrá sino recuerdos.
Oh tardes merecidas por la pena,
noches esperanzadas de mirarte,
campos de mi camino, firmamento
que estou vivendo y perdiendo...
Definitiva como un mármol
entristecerá tu ausencia otras tardes.

jorge luis borges

19 de junho de 2009

achados e perdidos

Ando pela vida perdendo coisas. Por onde passo deixo algo. Pode ser por distração - vivo com a cabeça nas nuvens. Ou quem sabe eu silmplesmente não suporte carregar pesos. Perco anéis. Perco carteiras. Às vezes perco o juízo. Pessoas e amores, idéias e valores. Uns eu recupero. Outros nunca mais vejo.
Perco a hora. Perco as chaves. Perco o sono. Já perdi até uma gata. Perco a linha e perco o fio da meada.
Posso perder de tudo, mas nunca fico vazia. Não preciso de nada além do que está aqui dentro.

as abobrinhas!

"E se ela morrer, este espetáculo mundano pode bem encerrar as portas. Podem desmontá-lo, retirar as escadarias, enrolar o céu e coloca-lo num atrelado com um reboque... E podem apagar tudo. Podem apagar a lindíssima luz do Sol que eu tanto amo. E sabes por que amo tanto? Porque a amo quando o Sol recai sobre ela. Eles podem levar tudo, estes carpetes, estas colunas, estes palácios, a areia, o vento, as rãs, as melancias maduras, a saraiva, as seis da tarde, Maio, Junho, Julho, o basílico, as abelhas, o mar, as abobrinhas... as abobrinhas, Al Giumeili! Arranja-me lá a glicerina!"

Roberto Benigni é um abobado mas sabe das coisas.

As abobrinhas nunca mais serão as mesmas...